Sobre 2020 + playlists + balanço = equilíbrio

Thais Isel
3 min readDec 28, 2020

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Eu tenho, sim, dificuldades com fins. Fins de séries, de ciclos, de anos. Em particular, neste ano de 2020, em que tudo fugiu totalmente do esperado, parece que as coisas estão mais acres do que o normal.

Sempre fui uma pessoa de sinais, que não tem problemas em ficar sozinha. Quando estou bem, naturalmente, ouço as mesmas músicas e faço as coisas de um jeito bastante específico. Quando, por outro lado, as coisas “saem do prumo”, costumo me entregar a músicas que, normalmente, não ouviria. Crio playlists bem doidas, com velharias homéricas.

O balanço do ano pesou para um lado mordaz, e o que ficou foi a sensação de “transformação definitiva”, o tal do “novo normal”, seja lá o que isso significa. Trabalho remoto? Usar máscaras por mais tempo? Não estender as mãos para abraços? Nunca mais…?

Isso tudo me fez partir em direção a uma espécie de “retorno”. Li um artigo sobre o aumento de peso durante a quarentena e a relação desse triste fato com a busca por receitas que lembram a infância. Parece que todos nós queríamos que alguém jogasse mesmo o “cordão umbilical, para que pudéssemos escalar de volta”, como diria Kurt Cobain.

Bom, voltando às playlists. Criei várias, cheias de músicas que não ouvia mais. De Spice Girls a Backstreet Boys, de Roxette a Elton John. Abandonei um pouco do vintage prog rock para me deitar confortavelmente sobre a cama de rosas da “voz de edredom” do Bon Jovi. Identifiquei, em mim mesma, uma busca por tempos mais fáceis, mais inocentes, que somam pelo menos 15 a 20 anos.

Posso dizer que, sim, sou saudosista por natureza. Mas o isolamento somado ao aumento de trabalho e à abstinência da companhia de mãe, irmão e amigos me deixaram ainda mais apegada a tempos remotos. O que até faz sentido, já que tudo o que acabamos tendo, nessas horas, é nossa própria companhia.

E é aí que recorremos ao nosso “eu” mais leve: a busca por uma versão que possa oferecer um pouco daquela sutileza que os trinta e poucos matam à base de apertões na função “soneca”. Nada de dúvidas, nem de certezas; nem de expectativas, nem de dramas; nem de cobranças ou conquistas. Apenas sonhos e reencontros.

É quase uma terapia, quando lançamos mão daqueles diários empoeirados e músicas velhas, que nos fazem lembrar das coisas bobas com as quais sonhávamos.

Ou nossos medos superados. Porque os medos de 2020, esses sim, são de arrepiar. “Minha Thaís de 1999, preciso te contar uma coisa. Mas, antes, pausa esse Ladies and Gentlemen, do George aí. Cacete, menina! Você não vai acreditar!”.

Tenho pensado que isso não é, exatamente, algo bom. É como reencontrar um amigo que você tinha esquecido. E quando o vê de novo, percebe que ele ficou ali, estagnado, marinando no passado. Ainda anda de skate 8 horas por dia, ainda mora com a mãe, ainda espera a pessoa certa, e se diverte com as erradas. Ainda sonha em fazer sucesso tocando na bandinha do bairro. Ainda… Ainda… Nossas versões não são mais aquelas, mas as coisas que escrevemos, desenhamos, as fotos que tiramos e as músicas que ouvíamos, permanecem. Isso pode ocasionar alguns arrepios e urticárias. Como fechar os olhos e rever o caminho da nossa antiga escola, o esconderijo para onde íamos enquanto todo mundo nos procurava ou o lugar em que demos o primeiro beijo. Tudo isso permanece, embora, raramente, os revisitemos.

Fim de ano é barra pra muita gente, justamente porque é um momento que simboliza a necessidade de largar o passado pra lá e pensar no futuro. E, cara, isso gera muita ansiedade. Se gera!

Mas, especialmente em 2020, pensar no futuro é aquela hora de puxar o band-aid com força.

Você sabe que vai sofrer um pouquinho, mas o alívio é certo. Que esse ano vá embora pra nunca mais voltar!

Portanto, Spotify, me aguarde. Porque eu não vou ouvir Spice Girls nem Pink Floyd em 2021. Quero coisas novas, inéditas. Quem sabe não seja hora de uma música flamenca ou um Salif Keita, pra variar de vez?

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Thais Isel
Thais Isel

Written by Thais Isel

Por encarnar em mim doses homeopáticas de forças antagônicas, talvez minha melhor definição seja uma metida a escritora e artista soft barroca pós-moderna.

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