Quem Tem Medo de Ficar Sozinho? A Diferença Entre Solidão e Solitude

Thais Isel
4 min readMar 17, 2019

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Sozinho por opção ou falta dela?

“I felt lonely and content at the same time. I believe that is a rare kind of happiness.” (Stephen King)

Desde a infância, e calculo que tenha sido lá pelos meus nove, dez anos, eu aprecio estar sozinha. Quando pré-adolescente, colocava meus (na época) cd’s, minhas óperas da MEC FM e cantava alto, estudava, escrevia ou desenhava horas a fio.

Nos poucos dias em que conseguia fazer isso (afinal, morava com pais, avô e irmão), chegava a considerar a data marcante. Estranhamente, sentia que havia entrado em contato com algo mágico, raro de verdade; uma espécie de quase nirvana pessoal.

Até hoje, ao ler meus diários e cadernos, sei identificar, exatamente, as páginas produzidas nos dias em que contava exclusivamente com minha companhia.

Embora eu nunca tivesse racionalizado essa preferência, sempre me vi impressionada por saber que amigos e pessoas do meu convívio não tinham o mesmo apreço por esses momentos de “isolamento”. Como as principais justificativas para essa sensação, estavam a necessidade quase urgente de ter alguém com quem conversar e a alegria em interagir com outras pessoas.

Eu, por outro lado, apesar de amar longas conversas e sempre me sentir curiosa a respeito dos pensamentos e sentimentos dos outros, não abro mão de momentos de qualidade na solitude.

A linguagem criou a palavra solidão para expressão a dor de estar sozinho. E criou a palavra solitude para expressar a glória de estar sozinho”.

A frase do teólogo alemão Paul Tilich traduz muito bem a diferença entre solidão e solitude. As duas palavras, tão parecidas, trazem basicamente o mesmo conceito, de um estado de privação da companhia alheia. Há, entretanto, uma separação entre as duas ideias, que chegam a ser diametralmente opostas.

Como definiu Osho, enquanto a solidão é um estado tão negativo quanto a escuridão, em que há sofrimento pela falta de se estar com alguém, a solitude significa que o indivíduo se encontrou, o que é absolutamente positivo.

O ócio criativo

Em meados da década de 1990, o filósofo italiano Domenico Demasi cunhou o termo ócio criativo. “Existe um ócio alienante, que nos faz sentir vazios e inúteis. Mas existe também um outro ócio, que nos faz sentir livres e que é necessário à produção de ideias, assim como as ideias são necessárias ao desenvolvimento da sociedade. A grande maioria das pessoas confunde ócio com preguiça. A principal diferença é que o ócio pode gerar produtividade e ter alguma significância; a preguiça é insignificante por si só”.

O ócio criativo é quase um luxo em épocas de pressa, agilidade no trabalho e FoMO. A correria sem fim do dia a dia, a necessidade de produzir o que nem sempre se quer e as mil obrigações que permeiam a vida daqueles que precisam trabalham pode minar o prazer da solitude e minar a “produtividade improdutiva” no sentido financeiro.

O prazer em dedicar um tempo para atividades como escrita, dança ou meditação, por exemplo, se esvai e dá lugar ao “check” de intermináveis listas de obrigações, de tarefas repetitivas que acabam com a criatividade.

A sensação de vazio e desperdício de tempo dominam, caso o indivíduo se dê ao luxo de desempenhar atividades que não vão, necessariamente, contar como “horas de trabalho”. É a funcionalidade da solidão se sobrepondo ao prazer da solitude.

Além disso, vivemos em uma era em que é preciso mostrar ao mundo quem somos (mesmo que o retrato seja uma espécie de Dorian Gray, um reflexo daquilo que nunca será realmente alcançado). É preciso espetacularizar e ostentar o que se tem, como se pensa, reage ou desenvolve. Um período de solitude seria uma espécie de “desintoxicação”, algo inacessível a muitos.

Na solitude, o único filtro utilizado é o seu próprio; o tempo é ideal para os diálogos internos capazes de nos aproximar de nossa essência, de tudo aquilo que nos faz feliz, nos apavora, nos incomoda, nos dá prazer, nos faz mentir. Por outro lado, é assustadora, justamente, porque sabemos quem somos: é possível moldar imagens e percepções nas redes sociais, nos ambientes de trabalho, na roda de amigos, mas nunca para nós mesmos. No fundo, todos nós sabemos cada “podre” de nós mesmos. Podemos apenas entrar em negação pelo medo do confronto.

Alguns de nós temem ou não apreciam os momentos de isolamento ou privação da companhia alheia por um simples motivo. Uma autodefesa capaz de burlar e esconder nossas pequenas frustrações, medos e egoísmos mais comuns, que acabam com nossa autoimagem, de seres bondosos e nobres.

O “lado sombra”, conceito formulado pelo psicólogo analítico Carl Jung, traduz a necessidade de cunhar nossa própria máscara aceitável, em uma maneira de alcançar o bem-estar social. E apesar de capazes de nos assolar, esses pequenos defeitos são a chave para a liberdade pessoal, já que abrem portas para o autoconhecimento.

É preciso, então, entender que somos humanos, somos seres formados por luz e sombras. E a solitude pode simbolizar uma oportunidade de cura, autoanálise e criatividade sem precedentes e sem comparação.

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Thais Isel
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Written by Thais Isel

Por encarnar em mim doses homeopáticas de forças antagônicas, talvez minha melhor definição seja uma metida a escritora e artista soft barroca pós-moderna.

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