Por que fazemos arte? (Um relato sobre por que raios eu desenho)

Thais Isel
4 min readNov 7, 2022

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Um dia desses, na terapia, minha psicóloga perguntou assim, como se fosse a coisa mais fácil de responder: “por que você desenha?”

Eu, verborrágica que sou, dei voltas e mais voltas, tentando ser clara e explicar para mim mesma os motivos que me levam a isso. Mesmo assim, não saiu nada que chegasse perto da resposta que eu realmente queria ter dado (para mim, é sempre mais fácil me expressar escrevendo).

Obviamente, a pergunta ficou em órbita na minha cabeça e eu mergulhava em uma espécie de transe enquanto lavava louça, enquanto tomava banho, enquanto escrevia para os clientes, enquanto ouvia uma música. Por que raios eu desenho, pinto, quero fazer arte? Em cada um daqueles momentos a resposta era diferente.

No momento com a psicóloga, entretanto, a resposta que eu dei foi: “boa pergunta. Porque, se você parar para pensar, não há utilidade nenhuma nisso”. Na verdade, não há utilidade prática para qualquer desenho. Qualquer um que seja. Assim como para qualquer filme, para qualquer música. Isso me faz lembrar de uma frase de uma das minhas escritoras favoritas, a Anaïs Nin.

“Se você não respira por meio da escrita, se você não chora tudo o que tem de chorar na escrita, ou canta na escrita, então, você não escreve, porque na nossa cultura não há utilidade para ela” (em tradução livre).

Vivemos em um mundo que prevê utilidade em tudo. Nele, tudo precisa ser extremamente útil e indispensável e isso, obviamente, faz algum sentido. Médicos são médicos porque salvam vidas e a profissão de dentistas, engenheiros, professores também têm uma utilidade claríssima.

Pessoas adoecem e podem morrer sem um médico; a dor de dente é uma das piores que há na vida e cidades ainda viveriam no mundo das trevas se não fosse o trabalho de engenheiros. E, claro, sem professores não existiria nenhuma dessas outras profissões. Mas para que servem pintores, desenhistas, músicos, escritores? Por que a arte é importante?

Aliás, a arte é importante?

Antes mesmo de tentar responder essas perguntas, há de se explicar que a arte é, acima de tudo, útil para quem a está criando. Como diria George Inness, pintor americano

“A verdadeira utilidade da arte é, em primeiro lugar, cultivar a natureza espiritual do próprio artista.”

Clearing Up, de George Inness

Foi engraçado, inclusive, porque eu tentei elaborar uma resposta, elocubrar sobre o sentido do que eu fazia e a importância para o mundo, ao que a psicóloga retrucou, porque queria saber a relevância que isso tinha pra mim. Aí mesmo é a pergunta entrou tão forte que parecia uma tatuagem na minha espinha (como se isso fosse possível).

A verdade é que eu desenho desde antes de andar, desde antes de falar “mamãe”. Talvez eu tenha levado muito a sério os famigerados toquinhos de giz de cera que minha mãe me deu aos 6 meses de idade, a ponto de nunca mais querer os materiais. Nada me deixa mais feliz do que um dia livre em que eu sei que não vou precisar fazer mais nada além de sonhar acordada olhando referências, pensando em histórias e ilustrando seja lá o que for.

E por que raios as pessoas desenham?

Criar arte é isso. Desenhar, pintar, escrever é ter a liberdade para recriar do jeito que se queria. Se alguém compartilhar do mesmo pensamento, preferências e sonhos do autor, a ponto de amar o resultado, ótimo. Por outro lado, se ninguém amar ou nem sequer conhecer, é igualmente ótimo. Não necessariamente é preciso ser útil ou ser legitimado para ter qualquer importância.

Estou certa de que o sempre tão amado Bob Ross concordaria

A verdade é que a arte não “precisa” nada: não precisa ser bonita, não precisa ser transformadora, não precisa ser realista, colorida, simétrica, exata, alegre, soturna, arrebatadora. Não precisa nem mesmo ser boa. Boa pra quem? Quem define o que é bom, afinal?

Se a pessoa em questão vai fazer do seu processo artístico um hobby ou vai se profissionalizar, são outros quinhentos. Mas enquanto ferramenta, a arte precisa só de uma coisa: libertar o autor. Arrancar as amarras do dia a dia e mostrar que existe, sim, algo além da rotina casa-trabalho-faculdade-casa ou seja lá qual for a equação da rotina pra você, que estiver lendo. Por isso, fico com mais uma frase, desta vez, de um dos meus artistas favoritos:

“Não existem obrigações na arte, porque arte é livre.” (Wassily Kandinsky)

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Thais Isel
Thais Isel

Written by Thais Isel

Por encarnar em mim doses homeopáticas de forças antagônicas, talvez minha melhor definição seja uma metida a escritora e artista soft barroca pós-moderna.

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